Multilateralismo, Diplomacia Parlamentar e Diálogo Político

Rut Diamint

 I.diamint26 Com o tema central “Garantindo o Futuro de Nossos Cidadãos mediante a Promoção da Prosperidade Humana, a Segurança Energética e a Sustentabilidade Ambiental”, a próxima Cúpula das Américas será realizada no ano que vem. Como mecanismo de promoção de diálogo, multilateralismo e inclusão social, o processo de Cúpulas dá aos parlamentares a oportunidade de levar às Cúpulas a voz da sociedade civil.

A crescente conscientização sobre os desafios globais em nosso hemisfério nos leva a compartilhar abordagens e valores e harmonizar iniciativas para o progresso, a prosperidade e a paz de nossas nações. O diálogo nas Cúpulas das Américas contribui para a governabilidade regional e essa governabilidade não pode se manifestar sem a inclusão de todas as instituições governamentais e a participação de atores sociais do setor privado e não governamental.

Neste contexto, os legisladores desempenham um papel chave mediante o exercício da democracia na esfera multilateral, o fortalecimento da divisão de poderes e a representação dos cidadãos. Traduzem as demandas e necessidades da sociedade em ações e decisões, que se estendem cada vez mais no campo da política exterior, em virtude da globalização. É um exercício de pluralismo, cooperação mútua e geração de confiança.

II.

Sabemos que não é possível harmonizar as expectativas de todos os atores de países latino-americanos que participam dos diferentes diálogos e encontros. Também sabemos que esses mecanismos são criticados por não produzirem propostas concretas nem ajudarem na adoção de medidas específicas.

Quando entendemos que o diálogo político é um bem público global e se baseia nos valores da justiça, como fator de estabilidade, tal intercâmbio evita conflitos e propicia condutas democráticas. Esta relação e estas reflexões conjuntas reforçam as práticas republicanas. Os processos de comunicação proporcionam maior compreensão e dão transparência às aspirações mútuas de cada ator nacional. O diálogo afasta a violência. É um espaço de articulação de questões de interesse público, a partir de diferentes perspectivas. O diálogo, portanto, é resultado de um processo de cooperação e de trabalho conjunto para a construção de um significado comum para os interlocutores.

Vimos que o diálogo transforma o pensamento coletivo, constitui uma ferramenta de transformação e retrata realidades contrastantes em uma linguagem comum. O diálogo é capaz de superar a desconfiança e potenciar os pontos de acordo e essa é sua maior força.

III.

Algumas pessoas podem questionar a possibilidade de gerar benefícios para todas as partes quando o diálogo é assimétrico. O diálogo político ajuda a incluir diferentes pontos de vista nacionais e regionais, o que permite – nesta época de globalização – tomar decisões mais acertadas sobre uma agenda internacional obrigatoriamente compartilhada. Diferentes densidades de diálogos paralelos reforçam o entusiasmo pela associação.

Cabe lembrar que o diálogo não significa, em si, que não existem tensões. As experiências nacionais latino-americanas de diálogo político têm sido na realidade experiências de conflito. As mesas de diálogo surgiram com o intuito de criar uma base de tolerância entre setores onde havia grande discordância. O diálogo era a primeira ponte para a reconciliação de inimigos históricos.

Entretanto, não é esse o caso do diálogo na esfera da Cúpula das Américas, que envolve consultas amistosas. Na retórica do diálogo, existe a manifestação expressa da vontade de aprofundar uma associação estratégica. Apesar das discrepâncias, o diálogo político é sempre positivo. O entendimento entre atores com estilos, opiniões e interesses diferentes, em um quadro de discussão sob comum acordo, revela que a democracia é essencialmente um mecanismo de negociação de diferenças.

IV.

Alguns analistas consideram que o contexto hemisférico é hoje mais inseguro. E não podemos negar que os movimentos políticos nos últimos anos têm causado certa preocupação: mandatos presidenciais com final abrupto, novos líderes sem partido político, crises econômicas e energéticas, manifestações cidadãs e protestos populares que paralisam o comércio e o transporte, divisões sociais e corridas armamentistas. No entanto, cabe reconhecer um aspecto positivo: por mais idiossincrásicos que fossem os líderes políticos latino-americanos, nenhum rechaçou a legitimidade democrática. Apesar das falhas, instabilidade, crise, as eleições de modo geral são limpas. Jorge Castañeda ressalta que os políticos latino-americanos estão mais interessados na política como instrumento para conservar o poder do que no poder como ferramenta para fazer política.[1] Entretanto, apesar destas peculiaridades, nenhum destes líderes atua fora da agenda democrática.

Como disse o ex-presidente Osvaldo Hurtado,[2] os cidadãos latino-americanos estão à espera do momento em que a legitimidade jurídica da democracia tenha ampla legitimidade social e o Estado possa atender as necessidades e resolver os problemas da população, corrigindo injustiças, eliminando privilégios e oferecendo oportunidades aos que são atingidos pela exclusão social. A distribuição da renda deve ser uma alavanca chave para o crescimento. Os direitos humanos e direitos civis constituem uma área de imenso endividamento na maioria dos países latino-americanos.

Por causa desta dívida, a oportunidade de participar de um mecanismo como a Cúpula das Américas representa um incentivo para parlamentares. Em muitos países latino-americanos, os legisladores têm uma área muito limitada na qual exercer sua função, com sistemas presidenciais fortes e centralizadores. Nestes anos de democracia, a eficácia parlamentar melhorou.[3] Contudo, isso não levou às instâncias parlamentares multilaterais a tomarem decisões que tenham impacto nos mandatos políticos do Executivo.

A ação conjunta na Cúpula contribui para o fortalecimento da legitimidade direta dos parlamentos nacionais e regionais e constitui uma ligação inevitável, meio de transmissão obrigatório dos interesses da sociedade civil. O reconhecimento crescente dos próprios direitos e obrigações, por parte da sociedade, significa que o Estado já não é o único ator a definir a ordem social. Os atores sociais encontraram novas formas de existência social que não dependem somente da política estatal. O cidadão não desempenha somente o papel de observador social, mas vem a ser também construtor de uma comunidade coletiva e capaz de gerar mudanças, como protagonista de relações transfronteiriças. Os parlamentares são os meios de expressão desta nova sociedade internacionalizada.

Enfim, a participação dos legisladores dá maior visibilidade ao Parlamento e mais divulgação ao trabalho dos parlamentares e debates gerados neste contexto. É uma forma de mostrar a eficácia dos Congressos, a importância de suas ações multilaterais e o progresso da democracia.

 

 

 


[1] Jorge Castañeda, “Latin America’s Left Turn,” Foreign Affairs, Vol. 85, Número 3, Março-Abril de 2006.

[2] Osvaldo Hurtado, “Democracia y gobernabilidad en los países andinos,” Foreign Affairs en Español, Vol. 5, Número 4, outubro-dezembro de 2005.

[3] Ricardo Gil Lavedra, “Un vistazo a las reformas constitucionales en Latinoamérica“, Seminario en Latinoamérica de Teoría Constitucional y Política (SELA), Law As Object and Instrument of Transformation, trabalho apresentado em Punta del Este, no Uruguai, em 6 a 9 de junho de 2002; Arturo Valenzuela, “Latin American Presidencies Interrupted,” Journal of Democracy, Ano 15, no. 4, outubro de 2004.

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